Pedro Teixeira, o colaborador que desconstrói preconceitos no local de trabalho

Pedro Teixeira em entrevista via Teams

Relato destinado a mostrar como uma simples oportunidade contribui para mudar mentalidades e como a deficiência deve ser encarada, como uma característica.

Licenciado em Artes Plásticas e Multimédia, Pedro integra a “equipa Santa Casa” desde há dois meses. O seu trabalho é visível no site da Valor T, nas imagens que lá são colocadas e no funcionamento e dinâmica desta página online. Os seus dias começam sempre da mesma forma, mas nunca são iguais. Senta-se em frente ao computador, troca emails, participa em reuniões… Tal como muitos dos cerca de seis mil colaboradores da Misericórdia de Lisboa. E, tal como qualquer um de nós, por vezes é repreendido, “pouquíssimas vezes” como frisa Sofia Arantes, que tem a responsabilidade de acompanhar este colaborador-estagiário. O que diferencia o Pedro de qualquer outro funcionário da nossa instituição? Nada.

​​​​​​​“A deficiência tem de ser encarada com naturalidade, como ter cabelos brancos, por exemplo”, começa por afirmar Pedro Teixeira, lançando um argumento difícil de contradizer: “Há uma deficiência que ninguém contesta, que é o uso de óculos. Ninguém coloca em causa a capacidade de trabalho de uma pessoa pelo facto de usar óculos para superar uma limitação visual, mesmo que isso implique fazer pausas no computador” quando a vista está cansada, sublinha o colaborador.

Na Valor T, Pedro está completamente integrado. De tal forma que até socializa com os colegas fora do horário de trabalho, através do Whatsup… Como qualquer colaborador da nossa instituição. Mas a verdade é que nem sempre foi assim.


Uma entrevista via Teams

Antes de se inscrever na plataforma da Valor T, Pedro tinha tido breves experiências profissionais como prestador de serviços e freelancer. Na sua memória está ainda uma entrevista de emprego, na qual lhe disseram que gostavam do seu curriculum e do portefólio apresentado. Mas quando mencionou a Paralisia Cerebral, “responderam que era complicado”, recorda o jovem de 29 anos .

Questionado sobre se alguma vez temeu nunca arranjar emprego, o colaborador suspira e responde: “Senti que era muito complicado. Terminei o curso em 2017/18 e, naquela altura, não existia ainda a lei das quotas. Sempre que referia a deficiência, perguntavam-me pela minha experiência profissional, sabendo que não tinha nenhuma, pois isso constava do meu curriculum”.

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De repente, tudo mudou… ​​​​​​​

​​​​​​​Quando foi chamado para uma entrevista na Valor T “acendeu-se” uma luzinha de esperança no Pedro. Afinal, trata-se da agência de empregabilidade da Misericórdia de Lisboa, destinada a pessoas com deficiência e com o propósito valorizar as competências e o talento dos candidatos, através de um processo de recrutamento próximo e partilhado, por forma a promover a sua integração no mercado de trabalho.

Após uma entrevista com a psicóloga Mariana Rovisco, Pedro foi convidado para um estágio de um ano na Valor T. Um convite que foi aceite na hora. Agora, decorridos dois meses (começou a trabalhar precisamente no dia 3 de outubro), o veredicto do nosso colega não poderia ser mais positivo:

“Estou a adorar! Estou a fazer o que gosto, na área que estudei e, sobretudo, numa área muito importante, que é a empregabilidade de pessoas com deficiência e com igualdade de oportunidades”, explica Pedro com mesma a alegria que manteve ao longo de toda a entrevista.

“E quanto o futuro?”, perguntamos nós. A resposta é imediata: “Não vou negar: gostava muito de integrar a Valor T, enquanto funcionário. Pelo menos, tenho-me esforçado para que gostem de mim e para ser uma mais valia para a equipa. Mas só o futuro dirá…”.


Dia Internacional das Pessoas Com Deficiência: “E os outros 364 dias do ano?”

​​​​​​​O futuro permanece uma incógnita para Pedro Teixeira, mas sobre o presente este colega tem muito a dizer. A poucas horas de se assinalar em todo o mundo o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência (no sábado), Pedro admite ter uma opinião “muito própria” sobre esta efeméride.

Se por um lado considera ser uma data importante, que deve ser assinalada como forma de alerta e de sensibilização do mundo para as dificuldades que as pessoas com deficiência enfrentam diariamente, por outro lado alerta para um risco: ”O ano tem 365 dias, esta data é muito importante e deve fazer-se bandeira disso, mas nos outros dias nada se faz”.

Como exemplo, Pedro Teixeira recorda as iniciativas isoladas que proliferam em Portugal (e não só) no dia 3 de dezembro, como passeios e idas ao cinema com os portadores de deficiência. “E depois? E nos outros 364 dias do ano?”, questiona, elogiando o trabalho contínuo desenvolvido pela agência de empregabilidade da Misericórdia de Lisboa, o qual classifica como sendo “muito importante”. Tão importante, que faz questão de lançar um repto: “Faço um convite a nível nacional: que todas as entidades empregadoras se registem na nossa plataforma [Valor T], pois não irão arrepender-se”.

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E do lado do empregador…

​​​​​​​A psicóloga Mariana Rovisco integra a equipa da Valor T. É a esta profissional (e a outros) que está reservada a tarefa de “fazer o perfil” dos candidatos com deficiência que se inscrevem na plataforma, através de uma entrevista onde tenta perceber as características de cada um, descobrir aptidões e qualificações, em suma, desvendar quem é o candidato e quais os seus talentos.

Na entrevista realizada meses atrás, Mariana Rovisco detetou no Pedro as características certas para uma necessidade já identificada na própria Valor T. “Ele tinha tudo o que era necessário: o conhecimento, a força e a motivação”, explica a psicóloga. E como os exemplos devem começar “em Casa”, a decisão foi rápida: Pedro Teixeira foi convidado a integrar um estágio de um ano na nossa agência de empregabilidade.​​​​​​​ 

Desde então, Pedro tem sido acompanhado muito de perto por Sofia Arantes, a orientadora do estágio, que o tem ajudado na integração na Valor T (e, consequentemente, na Misericórdia de Lisboa). De tal forma que a responsável afirma, a rir, que fala mais com o Pedro do que com os filhos.

“É muito fácil lidar com o Pedro, pois é uma pessoa muito comunicativa, direta e transparente, que transmite com muita naturalidade o que sente”, começa por afirmar Sofia Arantes, explicando que quando o jovem ingressou na Valor T lhe entregou os Estatutos da Santa Casa, para que o recente colaborador “conhecesse  e percebesse a génese” da instituição.

A trabalhar a partir de Viseu, onde reside com os pais, Pedro reúne-se com Sofia via Teams, trocam mails, conversam por telefone, com a orientadora a relacioná-lo com as demais direções e serviços da Santa Casa.

“Tecnicamente, o Pedro é muito bom. Atualizar o site, preparar convites, tratar de imagens, o Pedro trata de tudo. Trocamos imensas ideias e estamos a conseguir construir processos muito positivos para a Valor T”, sublinha Sofia Arantes, acrescentando que “tem sido um gosto muito grande” trabalhar com o jovem.

A deficiência é uma limitação? Sofia responde: “É deficiente? Não sei se é. Sei que tem as características ideais para este lugar e é tudo o que importa”.

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Quotas de emprego para pessoas com deficiência. Será a solução?

“Outra questão sobre a qual tenho uma opinião muito própria. Acho as quotas muito importantes para nós [pessoas com deficiência], pois começamos a ter uma porta de entrada para o mercado de trabalho e acredito que as quotas servem para isso. Mas tenho outros receios: é que existam contratos e empregabilidade de pessoas com deficiência apenas para se preencher uma quota, para as empresas estarem dentro da lei”.​​​​​​​

​​​​​​​A Lei 4/2019, de 10 de janeiro, que entrou em vigor a 1 de fevereiro, estabelece um sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência com um grau de incapacidade igual ou superior a 60% no setor privado, assim como em organismos do setor público não abrangidos pelo Decreto-Lei 29/2001, de 3 de fevereiro, o qual define um sistema idêntico de quotas de emprego aplicável ao setor público.​​​​​​​


Frases soltas para nos fazer pensar…

  • ​​​​​​​​​​​​​​​​​​​“A comunicação com os colegas é muito fácil, estamos sempre em contacto”
  • “A Paralisia Cerebral é uma condição, que varia de pessoa para pessoa”
  • “Sinto-me diminuído? Não. Nem dou oportunidade a ninguém para isso”
  • “A Paralisia Cerebral é uma condição, que varia de pessoa para pessoa”

Pedro Teixeira​​​​​​​

“Não desistimos dos candidatos [que se inscrevem na Valor T]. Se a primeira solução [trabalho] não correr bem, tentamos uma segunda vez. E se não forna na segunda, será na terceira”

Sofia Arantes